terça-feira, 24 de maio de 2011

Traduções de Letras de Música - Parte 002: Hotel California - The Eagles


Mais uma campeã de traduções erradas na internet (e nos trabalhos escolares), Hotel California é alvo da curiosidade de muitos fãs de Rock n' Roll. Este vídeo é clássico e, ao meu ver, muito mais interessante do que aquele acústico famoso. Aqui vemos realmente o que foi o vôo das Águias nos anos 70.

A letra, fantástica, super culta e quase indecifrável para quem não viveu nos USA na época, requer um senhor estudo para ser decifrada. Não ouso colocar aqui a minha interpretação do que é o Hotel California. Apenas indico os caminhos para quem quiser tentar chegar a uma conclusão, ou apenas aventurar-se nesta estrada deserta e escura.


HOTEL CALIFORNIA*

Numa autoestrada deserta e escura
O vento fresco em meu cabelo
O cheiro cálido de maconha erguendo-se no ar
Logo adiante, à distância, avistei uma luz trêmula
Minha cabeça ficou pesada e minhas vistas se embaralharam
Tive que pernoitar

Lá estava ela, na entrada
Ouvi a campainha da recepção
E estava eu pensando cá pra mim
“Isso poderia ser o paraíso ou o inferno”
Aí ela acendeu uma vela e mostrou-me o caminho
Havia vozes pelo corredor
Pensei tê-las ouvido dizer:

Seja bem-vindo ao Hotel California
Um lugar tão adorável
Um rosto tão adorável
Um monte de quartos no Hotel California
Em qualquer época do ano
Você o encontra aqui

A mente dela está obcecada pela Tiffany*
Ela tem as torções* da Mercedes
Ela tem um monte de rapazes lindos, lindos
Que ela chama de “amigos”
Como eles dançam no átrio!
Doce suor de verão...
Alguns dançam para lembrar, outros para esquecer

Então, chamei o capitão*
“Por favor, traga meu vinho”
Ele disse: “Não temos tido esse senso de humor* por aqui desde 1969”
E aquelas vozes ainda ficam chamando de longe
Acordam você no meio da noite
Apenas para ouvi-las dizer:

Seja bem-vindo ao Hotel California
Um lugar tão adorável
Um rosto tão adorável
Eles aproveitando a vida no Hotel California
Que bela surpresa
Traga seus álibis

Espelhos no teto
Champagne Rosê ao gelo
E ela disse: “Somos todos apenas prisioneiros aqui, de nosso próprio dispositivo”
E nas Câmaras* do Mestre
Eles se reuniram para o banquete
Eles o* apunhalavam com suas facas de aço*
Mas simplesmente não conseguiam matar a Besta*

A última coisa de que me recordo
É de que eu estava correndo para a porta
Eu precisava encontrar uma passagem de volta
Para o lugar de onde vim
“Relaxe”, disse o vigia da noite
“Estamos programados para receber.
Você pode assinar sua saída sempre que quiser,
Mas nunca pode sair!”


1 – California está sem acento porque não deve ser traduzido. É comum traduzir nomes de estados norte-americanos, como “São Francisco”, “Nova Orleans”, “Carolina do Sul”, “Nova Iorque”, ao invés de usar seus nomes originais “San Francisco”, “New Orleans”, “South Carolina” e “New York”. Neste contexto, costuma-se acentuar a palavra “Califórnia”. No caso da música, no entanto, estamos nos referindo a um hotel chamado California, e não ao estado da Califórnia. Portanto, como nome de estabelecimento, não é prudente traduzir nem aportuguesar. Vale ressaltar que a foto na capa do disco “Hotel California” é o Beverly Hills Hotel, também conhecido como “Palácio Cor-de-Rosa”, muito freqüentado por celebridades. A foto é do Beverly Hills Hotel visto do Sunset Boulevard, outro estabelecimento de alto luxo (isso é muito importante para compreender o conceito do tema Hotel California, sobre “o lado sombrio do Paraíso”, nas palavras do compositor Don Henley).
As origens da palavra “California” são tema de muita polêmica e seria válido todo um estudo só sobre isso. Mas, a título de curiosidade, podemos ressaltar algumas teorias sobre o significado da palavra: “Quente como um Forno”, “Da Califa (rainha das Valkírias), e “Inferno” (sendo comum em italiano mandar alguém à Califórnia quando quer mandar para o inferno), e, na língua dos índios americanos, há uma palavra semelhante que significa “Montanhas Altas”. Uma outra teoria, abraçada por evangélicos radicais e teóricos da conspiração, afirma que o cantor não diz “hotel” na gravação, mas “Hot Hell” (Inferno Quente), nas tentativas de conectar a banda com uma conspiração satânica para perverter as almas dos jovens amantes de rock n’ roll.

2 – “Her mind is Tiffany-twisted”. Tiffany & Co é a maior, mais cara e mais badalada joalheria dos Estados Unidos. O fato da mente da garota estar “retorcida pela Tiffany” é uma referência ao materialismo dela, confirmado na próxima metáfora.

3 – “She got the Mercedes Bends”. Don usa um trocadilho de “Benz” (da marca Mercedes Benz) com “Bends” (Torções). “The bends” é uma expressão usada para referir-se ao estado de euforia vivenciado por mergulhadores, quando emergem à superfície após muito tempo submersos. As golfadas fortíssimas de ar geram este estado alterado de consciência. Fazendo uma ligação com o verso anterior, compreendemos que o materialismo anunciado na obsessão pela joalheria Tiffany e aos carros da Mercedes pode ser comparada ao efeito de alguma droga alucinógena, e que quando ela emerge da “viagem”, experimenta uma sensação semelhante a “the bends”. Trocadilhos intraduzíveis para o português, mas importantes para compreender o que é o “Hotel California”, que, como veremos, não é um hotel.

4 – “So I called up the captain”. Embora a palavra “Capitão” não seja muito utilizada em português para referir-se a garçons, há casos (principalmente aqui em Minas) em que ocorre, devido à influência do inglês em nossa cultura.

5 – “Spirit”, citado na frase “we haven’t had that spirit here since 1969” pode ser erroneamente traduzida como uma referência ao vinho. Inclusive algum tradutor que não conheça bebidas poderia compreender este verso como “Não temos tido este tipo de bebida (spirit) aqui desde 1969”. Isso seria mais um erro cultural do que um erro de tradução, já que o vinho não é um “spirit” (bebida destilada). No caso, “spirit” refere-se ao senso de humor. Por que o garçom diria isso a um hóspede? Por que é engraçado o fato de alguém pedir vinho num hotel? Por que eles não têm ninguém com senso de humor ali desde 1969 (Lembrando que o disco “Hotel California” é de 1976, seriam sete anos desde que ninguém fazia gracejos dentro do estabelecimento)? É para se pensar...
A título de curiosidade: Evangélicos fanáticos e teóricos da conspiração afirmam que “Spirit” é referência ao “Espírito de Deus” e que ele não está presente ali devido às depravações satânicas que se tornaram públicas em 1969 nos Estados Unidos, já que foi justamente em 1969 que Anton LaVey lançou a Bíblia de Satanás e estabeleceu a Igreja de Satã na Califórnia.

6 – “Chambers”, que está traduzido como “Câmara”, também poderia ser traduzido como “Aposentos”, mas tiraria o clima solene e castelar que a letra toma nesta parte.

7 – O “It” do verso “They stabbed it with their steely knives” refere-se ao “Banquete” citado no verso anterior, e não ao “Mestre”, dono do aposento.

8 – “Steely knives” chama a atenção devido ao Y desnecessário no final da primeira palavra. O natural seria “steel knives” para “facas de aço”. Então, por que o “steely”? Pesquisando sobre isso, chegamos à informação de que a banda Eagles excursionava junto a outra banda, administrada pelo mesmo empresário que eles. Esta banda chamava-se Steely Dan. Então, como em um disco contemporâneo a Hotel California o Steely Dan lançou uma música cuja letra citava os Eagles. A música do Steely Dan chama-se “Everything You Did” e a letra diz: “Turn up the Eagles. The neighbours are listening”  (“Aumente os Eagles. Os vizinhos estão ouvindo”). Steely, neste caso , é uma alusão e uma brincadeira com a banda Steely Dan.
O ato de “esfaquear” aqui é também uma referência à injeção de drogas intravenosas, se fizermos uma análise mais profunda da letra. Vejamos mais disso no próximo tópico.

9 – Mais como curiosidade do que tradução, lembremo-nos que nas tradições góticas cita-se o vício incontrolável e a busca hedonista por prazeres imediatos como “A Besta” (quem já jogou o RPG Vampire: The Masquerade já viu esta expressão relacionada à necessidade por sangue). No caso do estabelecimento “Hotel California”, as pessoas ali reunidas, “prisioneiras do próprio dispositivo que criaram”, elas tinham reuniões no quarto do “Mestre”, onde elas tinham uma espécie de “banquete”. Ao ver as pessoas desesperadamente tentando saciar seus vícios, no entanto sem conseguir livrar-se deles, o eu lírico tenta fugir do estabelecimento, que “está programado apenas para receber”, mas de onde nunca se pode sair. Que tipo de lugar é esse? Uma clínica de reabilitação? Um sanatório? Um asilo? Uma prisão? Um hospital? Uma clínica psiquiátrica? A Mansão dos Mortos? O Inferno (Hot Hell Cali Fornia = O Quente Inferno, Quente como Forno)? O Vício?
Quem seria a garota que o herói encontra na recepção? Uma traficante? Um anjo? Um demônio? Lembremo-nos de que ela já o esperava na porta, o ajudou a entrar, o conduziu com uma vela nas mãos, mas tem problemas psicológicos com materialismo, não é funcionária do lugar (ela confessa que também está presa ali) e tem um certo séquito de rapazes...
Enfim, a letra é riquíssima em símbolos. Pode tratar-se de uma história mística, de uma história de terror, de drogas, do fim de um relacionamento. Há muitas teorias. Mas o objetivo é levar a pensar e não dar respostas prontas.




LETRA ORIGINAL (copiada do encarte do vinil Hotel California, de 1976):

HOTEL CALIFORNIA

On a dark desert highway
Cool wind in my hair
Warm smell of colitas, rising up through the air
Up ahead in the distance, I saw a shimmering light
My head grew heavy and my sight grew dim
I had to stop for the night

There she stood in the doorway;
I heard the mission bell
And I was thinking to myself
“this could be heaven or this could be hell”
Then she lit up a candle and she showed me the way
There were voices down the corridor,
I thought I heard them say:

Welcome to the Hotel California
Such a lovely place
Such a lovely face
Plenty of room at the Hotel California
Any time of year
You can find it here

Her mind is Tiffany-twisted
She got the Mercedes Bends
She got a lot of pretty, pretty boys,
That she calls friends
How they dance in the courtyard!
Sweet summer sweat.
Some dance to remember, some dance to forget

So I called up the captain,
“please bring me my wine”
He said: “We haven’t had that spirit here since nineteen sixty nine”
And still those voices are calling from far away
Wake you up in the middle of the night
Just to hear them say:

Welcome to the hotel california
Such a lovely place
Such a lovely face
They livin’ it up at the hotel california
What a nice surprise!
Bring your alibis

Mirrors on the ceiling,
The pink champagne on ice
And she said: “We are all just prisoners here, of our own device”
And in the Master’s Chambers,
They gathered for the feast
The stabbed it with their steely knives,
But they just can’t kill the beast

Last thing I remember,
I was running for the door
I had to find the passage back
To the place I was before
“Relax,” said the night man,
“We are programmed to receive.
You can check out any time you like,
But you can never leave!” 

Um comentário:

  1. Parabéns Reinaldo pelo belíssimo Blog! Como é bom receber estas informações. Abraços sonoros!

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